Estou lendo a biografia de Allan Kardec, de Marcel Souto Maior. E esta impressionante leitura tem me despertado algumas reflexões que comento nos seguintes tópicos:
Espiritismo como religião
Religião é um assunto delicado. É sempre surpreendente a capacidade ILIMITADA que as pessoas têm de desvirtuar uma mensagem original, normalmente nobre e sóbria, e transformá-la em bandeira de guerra, para com ela, enfrentar e combater gente de outras bandeiras, de modo baixo e embriagado pelo egoísmo e espírito de bando.
Dá até para ousar um pouco e dizer que religião é a forma deturpada através da qual os seguidores entenderam seus líderes. Pois não é difícil (aliás, é muito fácil) encontrar cristãos agindo de modo contrário a Cristo, Budistas agindo de modo contrário a Buda e por fim, espíritas agindo de modo diverso da postura extremamente sóbria e sensata apontada por Kardec como a melhor forma de conduzir o espiritismo.
O alicerce fundamental de qualquer religião é um só: Erros de interpretação; essa característica geral que as pessoas têm de interpretar as mensagens de grandes líderes espirituais não como foram ditas, mas como querem ouvir.
A terra natal do espiritismo
Críticos do espiritismo costumam argumentar que não se pode levar a sério uma religião que é praticamente desconhecida em sua terra natal, no caso, a França.
Sim, como se Israel, terra natal do cristianismo fosse a maior potência cristã do mundo.
Não é menos legítimo o espiritismo ter surgido na França e se desenvolvido no Brasil do que o cristianismo ter surgido nas Judeia e ter se desenvolvido na decadente Roma.
Para saber sobre o Espiritismo, consulte um açougueiro…
…ou um PADRE!
Quando você quer construir uma casa, você contrata um açougueiro ou um arquiteto? E se quiser comprar carnes, fala com um farmacêutico ou com um açougueiro? Eis um questionário de respostas óbvias, não?
É o mesmo raciocínio que faz eu me espantar ao ver a quantia enorme de gente que fala absurdos do espiritismo com base no que o padre ou o amigo do amigo falou. Eles, que certamente nunca sequer folhearam o Livro dos Espíritos, base da doutrina.
Não se pode esperar que o são-paulino fale bem do Corinthians.
Se quiser entender o espiritismo pergunte a um espírita, ou leia os livros de seu fundador: Allan Kardec.
Espiritismo prático e objetivo para a felicidade
A codificação da espiritualidade conseguida por Kardec era totalmente objetiva e desprovida de uma aura por demais religiosa, de fantasias e de misticismos estéreis.
Todo o objetivo de Kardec poderia ser resumido sob os termos da melhora da compreensão de mundo possibilitada pelas informações fornecidas pelos espíritos ouvidos, e pelo bem-estar em vida possibilitado por esta visão de mundo mais leve, expandida e consoladora, baseada especialmente na certeza da continuidade da vida após a morte.
Mas o que se vê em muitos segmentos espíritas é a adesão de vertentes espiritualistas muito pouco úteis e repletas de pompa e esoterismos fúteis. E no Brasil, em especial, por uma completa cristianização do espiritismo, focando-se mais na culpa e na resignação do que na esperança e no entendimento da certeza de que cessando-se a causa, cessa-se o efeito.
Assim como aconteceu com o cristianismo em Roma, o que salvou o espiritismo de um desaparecimento completo – o sincretismo com outras visões religiosas – é também o que o descaracterizou de suas origens notoriamente sóbrias e austeramente concisas, tornando-se por demais místico, e portanto, alvo fácil do questionamento de céticos e outros adversários, em especial, religiosos.
Leia mais sobre esta questão: O Imortal – Março/2011 – pág. 3 e 10
Os incrédulos
Sobriedade intelectual dá trabalho. Estudar, participar, averiguar, dá trabalho. Ponderar dá trabalho.
Cogitar e raciocinar sobre o que nos parece impossível ou absurdo dá trabalho.
Não só dá trabalho, como pode implodir toda uma visão de vida dentro da qual segue-se confortável.
Por isso tanta gente prefere rir, ou negar, do que tentar entender.
A melhor saída para lidar com quem não quer acreditar, é deixar que lide com as consequências de sua incredulidade.
O ignorante sempre se punirá com as consequências de sua própria ignorância. Esta é como uma pedra pesada amarrada aos próprios pés: torna o caminhar lento, dificultoso e atrasa a própria vida.
Tente esclarecê-lo, educadamente. Se ele rejeitar a luz, deixe-o na escuridão… …com muito gosto.
Até porque a ignorância pode ser uma bênção, mas preferir manter-se na ignorância é estar a um passo do tropeço.
E os crédulos
Assim como o incrédulo não quer acreditar em nada, há também os crédulos, isto é, gente que quer acreditar, e acredita em qualquer coisa.
E as áreas relacionadas ao espiritualismo em geral os atraem como o mel atrai abelhas. E isso é um problemão.
Porque o que mais tem nesse meio são fraudes.
A maior e mais importante lição que aprendi com o espiritismo, em especial, com a postura adotada por Kardec durante a codificação das respostas dadas pelos espíritos às suas questões, não foi a lei de causa e efeito, nem a reencarnação. A maior lição que o espiritismo me concedeu foi entender que pessoas idiotas, depois de mortas, continuam idiotas.
Ora, sabemos que é costume santificar os mortos. O sujeito podia ser um crápula em vida, mas depois que morre, torna-se imediatamente uma boa pessoa. “Coitado, ele tinha os defeitos dele, mas no fim, era uma boa pessoa”.
Talvez não. Não prestava e depois que morreu será um alívio pra muita gente.
(Tá com medo que o morto possa escutar, é?)
Não é porque morre que torna-se iluminado. Continua-se sendo exatamente o que era em vida. Talvez um pouco melhor, talvez um pouco pior, devido ao possível choque da passagem, mas não muito diferente do que era.
O que cristãos chamam de demônios nada mais são do que aquelas pessoas que eram demoníacas e inescrupulosas em vida.
Kardec sabia disso, e nunca perdia de vista esta importante preponderância.
O que acontece é que as pessoas se deixam impressionar pelos fenômenos mediúnicos, e pelo fato de estarem recebendo mensagens dos mortos, e concluem apressadamente que toda e qualquer mensagem vinda de um espírito desencarnado traz necessariamente uma grande verdade. As pessoas costumam atribuir uma aura de autoridade moral a qualquer manifestação sobrenatural.
E aí está o grande erro.
Não é assim que a coisa funciona. Kardec, que aprendeu a não se deixar impressionar pelos fenômenos (porque certamente se habitou aos mesmos), começou a prestar atenção às mensagens. E viu que nem todas eram dignas de nota.
Você sabe que a mensagem vinda do além é válida pela nobreza de seu conteúdo; pelo seu caráter humanitário. Se este conteúdo não for nobre, humano e caridoso, certamente seu portador também não é.
Pode ser apenas um idiota morto, tentando enganar outros idiotas vivos.
Espíritos (santos) também erram
O que eu quis dizer no item anterior pode soar agressivo.
Ora, o mundo espiritual é tão lindo harmônico perfeitinho ronaud, porque tu fica dizeno que ozespirito são idiota?
Nem todos são idiotas. A maioria, deve ser apenas ignorante. Não é porque o sujeito morreu e foi pra luz que ele automaticamente se torna sapiente de todos os mistérios do passado, do futuro e do infinito. Nem os santos. Na biografia de Kardec há este trecho psicografado, atribuído a São José – isso mesmo, ao pai do home:
Já vos foi dito que um dia todas as religiões confundir-se-ão numa mesma crença. Glória ao espiritismo que o precede (a chegada do messias) e que vem esclarecer todas as coisas!
Cerca de 150 anos depois, vemos que o panorama geral das coisas está BEM diferente do esperado pelo santo. O cristianismo, a maior força espiritual dos dois últimos milênios no ocidente, perde cada vez mais força na Europa, seu berço, onde igrejas centenárias se tornam museus e onde 40% das pessoas são absolutamente descrentes e materialistas.
O espiritismo possui alguma popularidade no Brasil, apenas. No resto do mundo ele é insignificante. Diz-se que há cerca de 20 milhões de espíritas no mundo. Há um espiritualismo mais geral (e que abrange o espiritismo) e que é até bem popular (em inglês, um artigo completíssimo), mas que está longe de ser um agregador de todos os conhecimentos espirituais. Por mais que a codificação kardecista traga toda uma racionalidade e prudência em sua mensagem, a diversidade imensa de religiões, filosofias e outros misticismos ao redor do mundo só demonstra que o espiritismo kardecista está longe, muito longe de ser um predecessor de uma renovação geral e global do pensamento espiritual.
Eu arrisco afirmar que a fusão de todas as religiões numa mesma crença, segundo expressado na mensagem de São José, é algo que nunca acontecerá, dada a complexidade com a qual a mente humana lida com questões religiosas e espirituais.
Se o espírito de um suposto santo erra desse jeito, o que se dirá de outros espíritos mais comunzinhos?
Eu não recomendo
Justamente pela noção de que a maioria dos espíritos são ignorantes (aqui uso a ignorância não no sentido de estupidez, e sim, de ignorar certos conhecimentos), assim como a maioria dos seres humanos também são ignorantes, eu jamais recomendaria a qualquer pessoa que busque a comunicação com espíritos. Uma vez em meio a esta busca, talvez se tenha a sorte de pegar um comunicante que tenha algo importante a dizer, mas muito provavelmente, não será assim.
Porque esses encontros ocorrerão por atração, e como sabemos que a maioria de nós não está em um padrão de vibração espiritual muito bom, a chance de atrairmos espíritos de padrão semelhantemente mediano é grande. Será o tongo tentando ajudar o sonso.
Pode ser que se adentre à comunicação com os desencarnados em busca de soluções para os problemas do dia a dia. Porém Deus não gosta do caminho fácil. Os problemas são desafios que servem para nos fortalecer, e resolvê-los pelo modo mais fácil, com a ajudinha dos mortos, é subverter a ordem natural das coisas e, antes de ser um avanço, será um grande atraso de vida.
Acho que a única utilização legítima da comunicação com o mundo espiritual é quando ela surge espontaneamente na vida da pessoa, que no caso apresenta talentos mediúnicos, e se destina a AJUDAR OS OUTROS, e não, a si mesmo(a).
Positive-se
Se quiser ajudar a si mesmo através da espiritualidade, o caminho é o mesmo de sempre.
A melhora de si mesmo em todos os aspectos possíveis.
A melhora de habilidades práticas e profissionais, o estudo e o crescimento intelectual, a reflexão e o auto-conhecimento emocional que leve a uma melhor convivência consigo mesmo e com os outros.
Ainda tem para melhorar a qualidade do que se bebe, do que se come, do que se veste, das músicas que se ouve, da arte que se aprecia, das companhias com quem se anda.
E por fim, tem-se a melhora dos pensamentos, do comportamento e das reações na lida diária com os outros.
Evitar reclamar, e passar a reconhecer e agradecer o que se tem, é o primeiro passo nesse trajeto de auto-melhoramento.
Rebecca Cortinovis
24 de fevereiro de 2014 as 23:35
Olá!!Quero fazer uma pergunta:
Você já ouviu falar ou estudou algo sobre Logosofia?
Ronaud Pereira
25 de fevereiro de 2014 as 1:04
Sim, Rebecca! Há alguns anos atrás alguém me pediu meu endereço e me enviou um livrinho falando sobre a Logosofia. Mas não me aprofundei…
Rebecca Cortinovis
01 de março de 2014 as 12:18
Se vc tiver interesse de conhecer um pouco mais http://www.logosofia.org.br/
Achei seu blog muito bom, vc abrange várias interrogantes estudadas na logosofia, por isso perguntei se vc conhecia. Parabéns pelo blog! Repito gostei muito de seus textos!!!
Ronaud Pereira
01 de março de 2014 as 14:31
Obrigado por suas palavras, Rebecca! Seja sempre bem-vinda por aqui 😉