De modo geral, a Copa do Mundo parece estar indo bem. Parece que está dando tudo certo. Até os mais críticos em relação ao mundial meio que voltaram atrás e passaram a torcer não só pela seleção como pelo sucesso da Copa, que é definitivamente um evento muito bonito.
Alegria é algo que realmente contagia. E eu não tenho nada contra o evento em si, que é grandioso, bonito, empolgante e divertido. Um entretenimento perfeito.
Mas nada além de um entretenimento. E é aí que encontro algumas questões com as quais não sei lidar direito, pois como você sabe, eu tenho uma visão muito crítica das coisas. Eu não sei fingir que está tudo bem. E, fora as questões políticas e sociais que o governo deixou de investir para investir na Copa, a cada manifestação sobre o mundial, percebo algumas coisas que não quero acreditar.
E de modo geral essas coisas todas apontam para uma mesma constatação: O modo como o brasileiro incorpora o campeonato como se fosse um assunto muitíssimo importante, assunto de vida ou morte.
A começar pelo Galvão Bueno. O drama que ele faz a respeito dos assuntos da seleção é hilário. Ele não é um locutor que eventualmente torce pela seleção. Ele é um torcedor fanático da seleção que, por acaso, sabe narrar jogos de futebol. É divertido… e por isso faz tanto sucesso. E eu arrisco dizer que ele é um dos maiores responsáveis, devido à sua forte influência, pelo modo como o brasileiro realmente acredita que ganhar um campeonato de futebol o torna uma pessoa melhor.
Mas lamento dizer: Não, um título esportivo não torna ninguém melhor, a não ser, evidentemente, os poucos atletas vencedores que veem suas contas bancárias tornarem-se, estas sim, BEM melhores.
Outra coisa que vejo com desconfiança é o brasileiro carregar bandeirinhas no carro, e vestir a camisa da seleção, e sair pelas ruas buzinando seus carros e suas cornetas, CRENDO-SE muito patriotas por isso. Faço a pergunta de sempre: E se o Brasil entrasse numa guerra amanhã, será que esse povo todo estaria pronto para entrar para as forças armadas para dar sua vida para defender sua tão digna nação brasileira?
Certeza que não.
Quer ser se sentir patriota? Em primeiríssimo lugar, seja um cidadão ético. Faça a coisa certa apesar de tudo e de todos. Em segundo, hasteie sua bandeirinha TAMBÉM durante o 7 de Setembro e o 15 de novembro. Estes sim são momentos que relembram o dia em que nos tornamos livres do domínio português e depois, conquistamos a democracia republicana. Liberdades reais, ao contrário da ilusória e ficcional sensação de poder promovida por uma vitória esportiva.
O que também tem me gerado um certo desconforto é o EXCESSO de atenção que a imprensa tem dado ao evento. Quero dizer, essa atenção toda é muito natural, o que não é natural é minha paciência para ficar ouvindo o tempo todo a palavra “copa” sendo repetida ad-nauseam e todas as minúcias possíveis a respeito de todos os detalhes possíveis de todas as seleções e seus movimentos e jogos, justamente como… se fosse assunto de vida ou morte; como se fosse algo que vai mudar a vida do brasileiro pra sempre.
E o que dizer da publicidade relacionada à copa? A começar pela péssima campanha do bradesco dizendo que tudo é BRA. Que mensagem absolutamente sem sal. E aquela outra das crianças mimadas reclamando que nunca viram o Brasil ser campeão. Que direito você tem sobre isso, moleque!? Ora, é sabido que a publicidade nivela o povo por baixo e fala a todos como se o povo fosse imbecil. É até verdade que boa parte do povo é imbecil mesmo. Mas uma outra parte, não tão pequena assim, é tratada como se fossem crianças de 10 aninhos.
Eu, definitivamente, não tenho paciência para toda essa infantilidade.
A saúde do Neymar
5 de julho de 2014 – O modo como a Globo coloca as movimentações da Seleção como questão solene, importantíssima, de vida ou morte é algo que me gera um grande desconforto.
Eu até posso ir ali e desligar a televisão, mas o que incomoda é saber que é uma mensagem que influencia meia população e a desvia do foco do que realmente é importante na vida.
Sigo com a certeza de que essa copa vai aprofundar ainda mais o abismo da alienação do povo, que agora sabe mais da saúde do Neymar do que da própria saúde.
Por essas e outras chego a conclusão de que se há um legado que a copa vai nos deixar, sem dúvida é a certeza de que o “Brasil” vai continuar sendo cada vez mais brasil… na pior acepção do termo.
Patriotismo ou Idiotismo?
Acontece que alguns amigos brasileiros ficaram chateados com alguns dos meus comentários “mundialeros”. Foi por acasso com aquele em que eu disse que o nacionalismo brasileiro tomou formas grotescas nesta copa? Porque se assim for eu só posso confirmar e repetir: nacionalismo brasuco (ou nacionalismo colombiano ou paraguaio, sei lá) às vezes dá medo. Porem, peço calma e bom senso. Tudo o que posso dizer sobre o Brasil, no entanto bastante crítico ou aparentemente vitriolico, eu falo a partir do conhecimento e do amor que eu tenho pelo lugar, sua história, seu povo, sua música e, especialmente, sua literatura (porra, eu sou tradutor de Noll e de Machado de Assis!). Há muitos laços que me ligam ao Brasil, como escritor, como colombiano. Talvez eu deveria adicionar algum contexto: a minha irmã e seu marido foram agredidos fisicamente por um grupo de brasileiros, enquanto olhavam o jogo na TV num bar de Nova Iorque, chamando eles de macacos e traficantes de droga. Foi nessa conversa com minha irmã que eu falei que o nacionalismo brasileiro ta virando mesmo uma coisa bem maluca… É triste, mas eu acho que esta copa não será boa nem para o futebol nem para alma da nação brasileira. Juan Cárdenas
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