Ou porque não é legal trabalhar como designer gráfico
Sim, eu sei que praticamente toda profissão inevitavelmente vai acabar numa rotininha entediante. Nos primeiros anos tudo é novidade e vamos trabalhando, aprendendo e crescendo empolgados e estimulados pela mudança de vida. Contudo, o tempo passa…
E então você vai aprendendo que Daniel Goleman estava certo. No caso do design, não basta ser competente na arte visual, sem que se tenha competência na arte de ter paciência com as pessoas, no caso, clientes. E então você vai percebendo que passa boa parte do tempo mais focado em atividades técnicas, burocráticas e de relacionamento do que exercendo o seu talento criativo propriamente dito.
Desde criança gostei de desenhar e de mexer e entender o funcionamento das coisas. Consequentemente o inevitável aconteceu: Me convenci de que eu poderia ser arquiteto, ou desenhista, ou, como aconteceu, designer. E escolhi a faculdade de design, e até que gostei. O mundo do design, o qual conheci na universidade, é inegavelmente fantástico e sedutor. Mas a primeira impressão é a que… engana!
A ilusão primeira
Um conceito que confundimos na universidade é associar, sabe-se lá como, que só por trabalhar com design, consequentemente poderemos consumir design. Isso até é possível. Os designers mais destacados de fato consomem o “bom” design. Mas, dada a renda geralmente precária dos designers no mercado de trabalho, esse pensamento consiste num equívoco. É muito provável que mesmo atuando a anos na profissão, você vai continuar comprando seus móveis nas casas Bahia ou lojas semelhantes, parcelando tudo em 12 vezes.
A ilusão segunda
A partir de certo ponto, durante o curso de desenho industrial, que depois tornou-se design industrial (design é mais phyno), fui percebendo que aquilo era tudo muito faz de conta. Muita criação de produtinho sem base na realidade e na possibilidade efetiva de produção, quanto mais, de aceitação no mercado. Nós bolávamos umas ideiazinhas diferentes, e o tal produto teria isso, teria aquilo, funcionará assim, e assado, e pronto! Todo mundo se achando a cada dia mais próximo do Phillip Starck.
Ai ai… Sem contar os rapazes aficcionados por carros, desenhando modelos “conceituais” mais e mais futuristas.
Dava dó!
Brincar de design
Nunca acreditei no que eu via. Era irreal. Numa ocasião, durante uma aula em que aprendíamos a lidar com gesso, um dos colegas de aula exclamou: “Se meu pai sabe que paga mensalidade cara de faculdade pra isso!”. Pois é! Em outra circunstância, mais no início do curso, o próprio coordenador do curso falou a certa altura de uma aula, que um conhecido havia lhe questionado, ou afirmado, que o mercado local não absorveria tamanha quantidade de futuros designers. E que ele respondeu: “Sim, mas com base no conhecimento adquirido no curso, serão empresários “com design”, comerciantes “com design”, se for um dono de restaurante, será um dono de restaurante com um bom conhecimento sobre design e que saberá usar dessa visão para agregar valor ao seu negócio.
Algo sempre se aproveita
Eu realmente entendi o ponto de vista dele. E o coordenador estava certo. De fato serão um grupo de pessoas com a “cultura” do design impregnada na mente. Uma cultura material que é sim, interessante e pode ajudá-lo profissionalmente, como um grande diferencial, nas outras áreas em que por ventura vier a atuar. E essa cultura é o que de mais valioso trago comigo até hoje. É particularmente enriquecedor você saber identificar um estilo arquitetônico ou artístico, ou saber diferenciar o que é uma cadeira Barcelona de uma Wassily, enfim…
Quando quem contrata não sabe o que está contratando
Entretanto, apesar de a formação ser sim, deficiente. De o mercado, de forma geral, ainda hoje não saber ao certo para que serve um profissional de design (e estar perdendo dinheiro com isso), enfim, apesar desses fortes motivos, os quais, ainda assim, não servem de empecilho para quem acredita no seu talento e é esforçado o suficiente para correr atrás de suas realizações como designer, o que mais me desencoraja é o viés preponderantemente artístico com o qual as pessoas de forma geral entendem o design. O problema não é não saber como usar o design na sua empresa ou como o designer poderá ajudá-la a ampliar seus lucros. Isso até fazemos questão de elucidar. O problema é achar que pode meter o bedelho no trabalho de um designer sem conhecer a natureza real do trabalho que está contratando.
É como alguém que estivesse construindo uma casa, a certo ponto da obra, virasse para o engenheiro e questionasse: “Viu, aquela coluna ali do meio não poderia ser mais fina? Tô achando ela larga demais…” Enfim, não que engenheiros não cometam erros, mas a princípio, se ele foi aprovado no curso, sabe com muito mais embasamento do que um leigo a espessura que uma coluna deve ter em relação ao seu posicionamento na obra, oras… Não se questiona certas coisas!
O trabalho de um designer, especialmente os que lidam preponderantemente com artes visuais, ou seja, designers gráficos e webdesigners, não é meramente artístico. A qualidade estética de um trabalho é o resultado da adequada atenção, primordialmente, à funcionalidade do trabalho, no caso dos referidos segmentos do design, à sutil arte de fazer a mensagem chegar e ser compreendida pelo interlocutor ao qual se destina. Não é nada fácil desenvolver um trabalho gráfico LEGÍVEL, e por consequência, funcional, e ainda, BONITO, IDENTIFICADO à cultura da empresa e ao seu segmento de atuação, e por fim, aplicável aos vários veículos de comunicação aos quais possa ser eventualmente divulgados. Existe todo um embasamento técnico e melhores práticas adotadas.
Mas e qual é a mente mediana que liga para embasamento? Ela quer é uma “logo” bonitinha…
Bota uma florzinha ali que vai ficar bom
Aí que está o problema. O cliente não só mal sabe como pode utilizar o design para otimizar os processos e os lucros de sua empresa, como ainda, devido à qualidade apeladamente artística do design, se acha no direito de exigir alterações e mudanças que desqualificam o trabalho. Não é uma mera correção ou eventualmente, uma pertinente opinião. Os clientes simplesmente agem no estilo lady Kate. “Tô pagano!” É patético mas é assim mesmo que o mercado do design é, patético. Não sei se é só no Brasil, mas vejo muito que, por essa área trazer um forte componente artístico, todo mundo se acha com talento para meter a mão sem conhecer minimamente os requisitos de um bom trabalho, quanto mais, para avaliá-lo corretamente.
Acontece nas melhores famílias
Outro dia me deparei com uma dessas “profissionais”. Eu estava com um trabalho 80% concluído, com grandes chances de expandi-lo para outros produtos. Faltava apenas definir o layout de um cartão de visita. E eis que num fim de semana de feriado prolongado, a cliente recebe em casa a visita de uma parente arquiteta de interiores que “trabalha com marcas também”. O que a moça fez? Simplesmente criou uma sugestão paralela de cartão, “quebrando” a logomarca em vários elementos, utilizando uma fonte pra lá de brega, totalmente inadequada à linguagem visual que eu vinha adotando no trabalho desde o início. Super ética ela, hein?
O pior é que as clientes gostaram 🙁
Mas esse foi só mais um dos vários episódios em que tive que alterar um trabalho para pior, porque o cliente assim queria e mais valia fazer logo do que gastar energia explicando por quê não fazer daquele modo.
Se precisa explicar, é porque não adianta explicar.
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Leia a segunda parte do texto aqui, com alguns links no fim que confirmam muito do que eu digo.
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