Alguns meses atrás, caí sem querer num mergulho profundo sobre a história da arquitetura do Rio de janeiro, em especial da Avenida Rio Branco.

Esta pesquisa particular se estendeu em algumas direções: Sobre a história do Rio de Janeiro propriamente dito, sobre a história do Brasil através dos vídeos do Brasil Paralelo, sobre a história dos nossos costumes. Li sobre a Família Guinle, sobre a auspiciosa Madame Pommery na São Paulo do início do século XX, li Casa de Pensão de Aloísio Azevedo retratando a vida doméstica e a língua portuguesa do Rio de Janeiro de fins do século XX. E ainda quero me inteirar sobre outros temas interessantes que vem surgindo quanto mais se lê…

E um aspecto sobre nossa percepção sobre a passagem do tempo me chamou muito a atenção durante esses meus estudos esparsos: Como, apesar da aparente aceleração dos nossos tempos “atuais”, o tempo ainda assim passa muito gradativamente; Como as mudanças históricas e políticas que estamos vivendo são ainda muito lentas e só vão se assentar daqui a muitos anos e que, no final das contas, nós e toda essa superpopulação terrestre nada mais somos, diante do senhorio do Tempo, do que meros elos de uma corrente histórica que ainda vai longe na existência.

Por exemplo. O Brasil teve várias Constituições durante sua história. Uma delas em 1889, após a proclamação da República, e outra em 1934, com Getúlio Vargas. Ouvindo assim, essas duas citações parece que a sequência entre elas foi muito rápida.

De 1889 a 1934 é um pulo, certo?

Errado.

Foram 45 anos. QUARENTA E CINCO anos. Tenho um tempo médio de vida, 37 anos, e pra igualar aquele período, me falta ainda 8 anos. Dois pleitos eleitorais. É tempo pra caramba.

Se fizermos um paralelo entre o período da promulgação e vigência daquelas constituições com o nosso tempo, basta observarmos que nossa última constituição é de 1988, um ano semelhante ao de 1889. E que, “a próxima constituição” só seria implementada por “um novo Getúlio” somente no ano de 2033, isto é, daqui a 15 anos. Se isso hipoteticamente acontecesse, isto é, se a história se repetisse neste século como aconteceu há 100 anos, talvez muitos de nós nem estejamos mais por aqui quando a nova constituição for promulgada para ser, no final das contas, somente mais um passinho dado na longa trajetória da história desta nação.

Acredito que acontece com todas as gerações, esta impressão que toda a história da humanidade caminhou para trazer o mundo prontinho até a geração atual. Mal sabe a geração atual que as gerações de 2100 ficarão especulando sobre a realidade de 2018 assim como nós agora especulamos como era a realidade do Brasil de 1919:

Av Rio Branco – 1919

Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, em 1919, ou seja, a 99 anos atrás.

À esquerda, a torre do Jornal do Commercio, à direita, destaca-se a torre do Jornal do Brasil. Ao fundo, o Palace Hotel, dos mesmos proprietários do Copacabana Palace (família Guinle), à frente do Pão de Açúcar.

Praticamente todos os prédios desta foto foram demolidos. Restam 10 dos cerca de 100 edifícios que formavam esta vibrante avenida.

A principal avenida, da principal cidade, tida como “maravilhosa”, de um país cuja identidade arquitetônica perdeu-se em uma dessas esquinas do tempo.

Imagem publicada aqui.

E, certamente, em 2500 ficarão conjecturando sobre como era a vida nos anos 2000, assim como nós ficamos nos perguntando, dentre tantas questões, como era a experiência de atravessar o oceano enclausurado em pequenas caravelas de madeira, como fizeram Colombo, Cabral e seus marujos lá pelos idos de 1500.

E aqui cabe outro ponto de vista sobre este “período de existência do Brasil”. Todos ouvimos à exaustão da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500. Ouvimos um pouco sobre as movimentações portuguesas para a promoção desta viagem, dos motivos dela, da surpresa com os índios e com a natureza ainda virgem que havia por aqui e… ponto. Alguns tracejos sobre as Capitanias Hereditárias, ciclos econômicos e depois, o fato mais marcante sobre nossa história já passa para a condenação de Tiradentes já em 1792, depois para a vinda da Família Real Portuguesa, Independência etc.

Pouco fala-se, em termos gerais, que estas terras permaneceram praticamente abandonadas desde 1500 até 1808. Em 1800 o Brasil tinha uma população estimada de no máximo 3 milhões de pessoas, incluindo aí certamente muitos índios nativos, número cuja exatidão é impossível de averiguar. Esta população se concentrava certamente pelo nordeste. A cidade mais populosa de Santa Catarina, no sul, Joinville, foi fundada… FUNDADA em 1851, e somente a partir do século XX começou a apresentar uma população mais consistente.

Digo tudo isto para enfim afirmar que o Brasil tal qual o conhecemos, passou a existir, como nação, não somente politicamente, mas realmente, nos moldes que hoje conhecemos, a partir de 1808. Desta data para trás, ainda valia a concepção física de uma terra exuberante, com uma fauna e flora vicejantes, ditada por nós por Pero Vaz de Caminha, em 1500.

As coisas levam tempo

Nossa imprensa digital contemporânea vive ansiosa por novas notícias e por ser a primeira a documentar os fatos. E assim, diariamente vemos nos jornais uma corredeira de notícias. E essa sequência infindável de fatos pequenos nos tira a pouca visão global que temos da vida e da sociedade.

Por exemplo na política brasileira: Até 1889 tínhamos um governo monarquista. Dom Pedro II reinou por quase 50 anos, com certa estabilidade. A partir de então, após um golpe, a república foi instalada e parece-me que desde então, até hoje, somente 5 presidentes concluíram integralmente o mandato para o qual foram designados.

Olhar nossa república desta perspectiva nos mostra claramente que a república não deu certo, que o Brasil não é uma nação republicana. Foram golpes e fiascos atrás de golpes e fiascos.

Certas coisas levam tempo para se assentarem, às vezes muito tempo, e o fato de uma senhora inapta como Dilma Rousseff e também os deputados que aprovaram seu impeachment terem chegado todos ao poder nos mostra claramente que nossa forma atual de governo ainda não se assentou e que nós, como povo, não temos condições de escolhermos nossos representantes.

Quando nosso sistema político se assentará sobre bases estáveis e honestas? Só Deus sabe, e só o que eu sei é que este tempo ainda não chegou; só o que sei é que ainda estamos em meio a este longo processo de estabilização institucional (esta atual greve dos caminhoneiros é apenas mais um breve capítulo de uma longa história de busca pela estabilidade política aliada a alguma prosperidade econômica).

As coisas em nível coletivo levam muito tempo para se acertar. No Brasil, por exemplo, sob um ponto de vista de longo prazo, é bem possível afirmar com certo grau de certeza, que os brasileiros estão vivendo uma longa fase de transição, iniciada em 1889 com o golpe da República, passando pelos episódios envolvendo Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, o Regime Militar, a redemocratização, impeachment do Collor, estabilização da moeda, políticas sociais, as manifestações de 2013 e o impeachment de Dilma. E estas últimas instabilidades sob o governo Temer só demonstram que ainda estamos longe, muito longe de nos acertarmos como nação politicamente estável.

As coisas levam tempo, inclusive em nossa própria vida

Aqui neste texto comentei sobre como a ansiedade e a angústia de uma vida complicada pode nos fazer mal na juventude e que nestes casos, a única saída é ter paciência.

Memória Curta e Narrativas

Diz-se que o povo brasileiro tem memória curta.

É verdade.

Além da dificuldade natural que temos de resgatarmos realidades circunstanciais de tempos passados nem tão longínquos assim, como há 100 anos atrás (o que torna um período como este, de 100 anos atrás, algo realmente longínquo), um fato claramente perceptível é que além da ignorância natural do povo sobre os fatos passados – ninguém nasce sabendo e pouco passa a saber durante a vida – o povo esquece rapidamente o que se passou há mais de 15 anos atrás.

Hoje, esta percepção a mim se estendeu, e abarca a própria humanidade.

A humanidade não tem muita noção de tempo. Principalmente do tempo que transcende o tempo médio da própria vida humana.

Existem muitas verdades que assumimos como antigas, que foram criadas nas últimas décadas.

Por exemplo: Afora certas aparições esporádicas na mídia, quantos cariocas sabem que a praça Mahatma Gandhi já abrigou um dos palácios mais simbólicos da cidade?

E se o povo lembra o que se passou há 15 anos atrás, lembra de forma confusa, vaga, começa a inventar fatos e razões para preencher as lacunas da memória e para que sua interpretação do que lembra que aconteceu possa fazer algum sentido.

E não é exatamente que “esquece”, e sim, que quem tem 30 anos hoje, tinha 20 há 10 anos e talvez estivesse mais interessado em festas e curtição, do que se informar sobre o que ocorria no mundo. Daí aos 30, quando resolve estudar um pouco, o faz baseando-se em fatos documentados por uma imprensa e historiadores ideologicamente contaminados.

O resultado disso? Pessoas que votam em pessoas com ficha criminal, pessoas que se dizem socialistas / comunistas em pleno século XXI, gays que usam camisa de Che Guevara, o revolucionário que assassinava gays, pessoas defendendo a ditadura militar, pessoas messiânicas esperando sempre mais 72 horas por grandes acontecimentos políticos que nunca acontecem, e etc.

As pessoas são sempre muito mal informadas sobre as bandeiras que defendem, e se conhecessem bem tais causas, nãos as defenderiam com tanta veemência.

Estamos sempre em busca de alguma regra e estabilidade sobre uma natureza sempre inconstante. E nossa fraca memória para o passado aliada ao pouco entendimento que temos dos processos políticos e econômicos sob os quais vivemos, faz com que idealizemos aquele passado, e um passado negativo idealizado como positivo é tão ou mais perigoso do que um passado esquecido, porque pode ser cooptado por narrativas que visam recontar a história a fim de defender certos grupos e interesses:

Num truque retórico […] petistas, isentões e afins, trabalham para tentar emplacar a narrativa de que quem destruiu o Brasil não foram Lula e Dilma, mas o Temer e quem foi às ruas nos salvar do pior que nos esperava: o bolivarianismo. Já tem mentecapto falando de preço de gasolina e dólar para dizer que na era PT, era “melhor” […]. Felipe Pedri

Memórias perdidas nas curvas do tempo

Quando Carlos Guinle morreu, em 1969, Nelson Rodrigues disse:

“Está morrendo o nosso passado e, repito, um dia, acordaremos sem passado.”

Se você nunca soube quem eram os Guinle, como eu não sabia e presumo que você também não saiba, prova que Nelson estava – como sempre – certo.