Bate-papo no Bar – Conto
Ele não acreditou que tivera tanta coragem.
Encontrou-a por acaso… (depois relembrado como um lindo acaso, um gostoso acaso, um feliz acaso. Um acaso pelo qual ergueria as mãos aos céus. Tímidos entenderão.).
Por acaso encontrou-a no supermercado. Nem era comum isso acontecer, mas se reconheceram, se cumprimentaram, e começaram a conversar assuntos que vinham.
Para ele, assuntos eram um problema. Mas sabia por sua experiência prévia de atendimento ao público, que uma parte das pessoas se pudesse preferiria nunca dirigir-nos a palavra, mas que outra parte sente uma afinidade tão inesperada pela nossa pessoa, que até aos tímidos, se têm algum bom senso, só lhes resta… conversar.
Eis que ali no supermercado, o bate-papo se estendeu mais que o razoável – seu juiz interno era obcecado por razoabilidade – e como se fosse o homem despojado que gostaria de ser, soltou essas palavras:
– ah, vamos tomar uma cerveja no Bier Haus na sexta. Conversa boa assim tem que continuar…
– Vamos sim! Anota meu número. E anotaram seus celulares, e na sexta, confirmariam o encontro.
Ainda na sequência das compras, ele remoía-se.
– “ain vamos tomar uma cerveja… nem sabe se ela bebe, seu idiota. nem sei como ela foi aceitar”
Na sexta-feira, passou o dia todo tenso.
– “Será que vai dar certo. Será que vai ser bom. Será que ela vai gostar. Eu deveria inventar uma desculpa qualquer e desmarcar” – perguntava-se mentalmente, em um looping de angústia sem fim.
As coisas nunca deram muito certo para ele, e mesmo assim, ao invés de se fechar em seu mundo particular, costumava se colocar a disposição dos fatos, por sugestão de um psicólogo na adolescência, e também pela desesperada esperança de que alguma tentativa iria, ou teria, algum dia, que dar certo.
Nem que o preço dessa esperança fosse a infinidade de vergonhas e micos que já pagou na vida.
O improvável às vezes brinca com nossas expectativas e eis que, enfim, ele estava ali, sentado à mesa do Bier Haus, diante daquela linda mulher.
Haviam estudado juntos durante os anos do 2º grau. A timidez adolescente nunca os ajudou em qualquer aproximação, mas agora, passados alguns anos, conseguiram engatilhar uma conversa casual, como se fossem velhos amigos.
Agora, frente a frente, ele amaldiçoava mentalmente sua insegurança e hesitação, enquanto fingia presença. Mas não havia por que fingir, porque ela mesma tinha um jeito particular de tornar os momentos espontâneos, e as pessoas à sua volta, à vontade.
Era como se ele tivesse esquecido justamente o que mais o atraía nela, esse espírito, essa presença, essa energia pessoal que faz tudo parecer bem e tranquilo, ao contrário dele, em que tudo era motivo para inseguranças e dúvidas.
Em poucos minutos a conversa engrenou de tal maneira que, num breve surto de consciência em meio aos graus etílicos que se somavam, cogitou que se pudesse morava para sempre naquela mesa, naquela cena: Ele e ela sentados um de frente pro outro, ali no deck do bar, diante do lago conversando sobre a vida e o mundo, experimentando drinques e petiscos.
Ela tinha aquela exata qualidade que nem ele sabia exatamente que apreciava a não ser ali agora diante da própria expressão daquela virtude, que é a da pessoa que sabe a hora de ouvir, e sabe a hora de falar; virtude também conhecida como educação. Que fala na justa medida, e no tempo certo, pára para ouvir o outro. Via nela eventualmente a mesma contenção que dava a si mesmo quando, empolgado com algum assunto, censurava a si mesmo, dando gentil espaço para ela falar de suas experiências, vivências, dores e sentimentos.
E como era lindo vê-la falar. E observar os traços de seu rosto se ajustando a cada sentimento, ora feliz, ora sentida, ora exultante, ora debochada; ora sexy… Essas expressões faciais que os jovens do nosso século conhecem mais pelos emojis do que pela experiência direta; pobres dos nossos jovens.
A frente do bar, estacionou um carro. O vidro baixou lentamente; à medida em que o vulto no interior do veículo se mostrava, o rosto dela resplandeceu num sorriso feliz:
– Meu namorado veio me buscar. – E ajeitando suas coisas, continuou. – Muito obrigado pela tarde, pelas risadas, foi muito bom resgatar nossa amizade. Vou indo porque ainda tenho que me ajeitar para a formatura que temos hoje a noite.
Surpreso, incrédulo, porém fingindo naturalidade, se despediu.
E se amaldiçoou o resto do dia.
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