Pretendo retomar neste site a série de resenhas e sugestões de leitura que anos atrás ocupava boa parte das publicações.
Já abandonei os livros de auto-ajuda, os de educação financeira, os de assuntos espiritualistas.
Sensação de que já li tudo que tinha que ler.
De uns três anos pra cá, passei a realizar um desejo de muito tempo: conhecer ao menos os grandes clássicos da literatura em língua portuguesa.
Já conclui alguns deles: Amor de Perdição, Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Grande Gatsby, Casa de Pensão e O Cortiço, cujas resenhas trarei aqui com o tempo.
Para reiniciar esta nova fase de dicas de leitura através de resenhas, começo com uma grande obra:
Senhora – José de Alencar
Senhora é um livro de 1875, portanto, suas características se enquadram sob a tradição romântica da literatura brasileira, que sucedeu de 1836 a 1881.
Toda a narrativa do livro gira em torno da figura quase mítica de Aurélia, a protagonista da história, e sua conturbada relação com Fernando Seixas, seu grande amor. O autor não cansa de lembrar a beleza, elegância, classe e auto-domínio da personagem ao longo dos capítulos.
Toda a escrita é riquíssima em vocabulário, adjetivos e percepções das nuances de cada cena vivida pelos personagens. Toda a narração é bastante floreada, quase poética, e enfatiza muito os valores daquele grupo, que representava a elite da época. Beleza, classe, elegância; luxo e riqueza, delicadezas e sutilezas são o tempo todo oferecidas para o(a) leitor(a) decorar sua imaginação.
Para nós, acostumados a escrita objetiva e seca dos tempos atuais, pode parecer num primeiro momento algo cansativo vencer parágrafo por parágrafo e suas infindáveis impressões sobre os detalhes das cenas e das emoções que os personagens sentem. No entanto, a literatura daquelas décadas tem um quê de história, através dela você conhece hábitos e valores da vida cotidiana, aqui no caso do Rio de Janeiro do século XIX, bem como as palavras utilizadas pelos escritores, no caso de José de Alencar, de invejável e vívido vocabulário. Portanto, empreender uma leitura como esta exige do leitor uma disposição sincera de viajar no tempo e experimentar aqueles tempos e modos, bem como abraçar o estilo de escrita da época.
Eu diria que é uma leitura para ser feita com calma, lentamente, uma vez que as descrições detalhadas do autor a respeito das cenas e sensações dos personagens exige mesmo da nossa imaginação, o que fui me dar conta já no final da leitura, quando consegui vivenciar certa cena de uma valsa e realmente me emocionar imaginando a sensação de plenitude vivida pela personagem. A pós-modernidade nos deixou cínicos, céticos e frios; poucos admitem, mas aquece o coração imaginar-nos vivendo cenas em que nos sentimos plenos e felizes.
Ademais, também me chamou a atenção a autenticidade da história, em que uma mulher tem tanto poder. Incomum para a época, e até mesmo para estes tempos em que mulheres buscam empoderamento. Desde que você se coloque com o devido preparo e disposição para enfrentar o estilo e absorver a inusitada história contada, recomendo fortemente a leitura.
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