Tenho percebido que minha trajetória intelectual, não acadêmica, mas a do intelecto particular, que me permite compreender as coisas da vida, tem sido uma trajetória circularmente ingrata.
Primeiro aprendi a questionar tudo, para depois aprender a questionar o porquê de eu estar questionando, já que no fim, enxerguei que tudo está certíssimo do jeito que está.
Dos tantos assuntos com os quais fiz esse trajeto, um deles é o tema “família”.
Conservadores e religiosos pregam a preservação da família tradicional como instituição e como núcleo básico da sociedade. Progressistas acham que família é apenas uma formação emocional, de caráter biológico, temporário e instável, cuja formação tradicional não tem muita importância, já que pode ser a mais flexível possível (família homossexual, poligâmica etc).
Os conservadores pregam que toda e qualquer família tradicional, constituída nuclearmente de pai, mãe e filhos são fundamentais para a formação de indivíduos equilibrados e por consequência, de uma sociedade equilibrada. Progressistas argumentam que até os piores bandidos saíram de uma família tradicional, e defendem a adoção de crianças por casais homossexuais alegando que as crianças abandonadas foram geradas por… casais heterossexuais.
Corretos, não?
Por muito tempo, um senso de rebeldia juvenil me fez crer mais nesta visão progressista. Hoje, entendo que ambos os grupos tem suas razões e seus equívocos.
Mas eu vou voltando, cada vez mais, pelo caminho conservador, entendendo, porém, que uma união meramente heterossexual não é suficiente para garantir a formação de sujeitos equilibrados. Vou, na verdade, por um caminho mais idealista. Um ideal onde vejo que uma família de pessoas EQUILIBRADAS e bem resolvidas gera, sim, por tendência, filhos equilibrados.
Este tem sido o grande equívoco da visão conservadora sobre a família tradicional. Não adianta ter um pai, e uma mãe, como família, se um ou outro traz problemas emocionais muito acentuados, ou se eles não se entendem entre si, e não têm sintonia, enfim, se não se amam verdadeiramente. Ali tem-se um pai e uma mãe, mas não se tem um lastro emocional seguro.
Por aí, já acredito que antes de decidirmos formar uma família, deveríamos resolver nossas pendências emocionais, para que possamos passar aos nossos filhos somente amor e segurança. Eu diria que é até injusto criarmos nossas crianças despejando nelas todas as nossas inseguranças. Um terreno fértil merece ser cultivado com bons frutos. Um indivíduo criado num lar amoroso e estável certamente tenderá a se formar como um indivíduo amável e mais seguro; ao menos mais seguro do que a média das pessoas.
Sei que falar sobre segurança emocional num mundo onde tudo é transitório é o mesmo que falar sobre o voo das fadas. Mas alguns raros indivíduos têm a felicidade de ter pais amorosos, e que permanecem juntos por toda a vida, até que, literalmente, a morte os separe. Pode ser que eu esteja com a síndrome da grama verde do vizinho, mas tenho uma impressão recorrente que essas pessoas, mesmo com seus problemas, se sentem mais tranquilas e amparadas.
Porque acho que nada nos passa mais segurança e tranquilidade do que sabermos que nossos pais – que são na verdade nossas raízes emocionais – estão juntos, longe ou perto, mas de preferência perto, e seguem a vida relativamente bem, em harmonia, mesmo apesar das dificuldades que toda convivência oferece. Como é triste constatar que seus pais seguiram caminhos diferentes e mesmo assim não se acertaram na vida como sonhavam.
Também pensemos em como nossos adolescentes se sentem intimamente, quando percebem que seus pais são tão inseguros e hesitantes quanto eles…
Nessa sociedade louca e individualista demais, na qual temos a infelicidade de viver, e que valoriza demais a paixão, o sexo e o próprio ego, a tendência é que famílias tradicionais existam cada vez menos, e que precisaremos estar cada vez mais preparados para, mais adiante na vida, termos duas famílias: a família da sua mãe, e a família do seu pai. Com sorte, poderá ser legal. Mas muito dificilmente será a mesma coisa que termos nossos dois pais, vivendo juntos enquanto estiverem vivos, com a casa sempre aberta para darmos aquela chegadinha como quem chega na própria casa, mesmo que já more em outra.
Mas nossos pais, são nossos pais. São humanos e tão passíveis de erros quanto nós mesmos. E essa é a questão principal deste texto:
E nós?
Eu já não consigo analisar qualquer aspecto da vida sem levar em conta o fato de passarmos neste mundo por vidas sucessivas. Portanto, acredito muito profundamente, que nós recebemos da vida aquilo que somos capazes de dar. Muito provavelmente, quem tem ou se criou em uma família problemática, foi parar ali por atração, para aprender a importância de um lar estável. E a lição principal é justamente essa: Nós, AGORA, devemos ter a capacidade de escolher bem um parceiro, e construir dedicadamente um lar seguro para nossos filhos. Porque quem quer estabilidade, deve oferecer estabilidade. E porque quem planta instabilidade JAMAIS !!! vai colher estabilidade.
A vida é uma chance interminável de passarmos a fazer a coisa certa, independente do período dela em que estamos vivendo.
Talvez isso exija uma certa abnegação e um certo sacrifício de nossa parte. Mas é claro que sacrifícios têm limites. Uma relação destrutiva deve ser deixada pra trás o quanto antes, e os filhos saberão entender uma decisão dessas. Mas por outro lado, é tão difícil encontrar um parceiro ideal para nós que, uma vez encontrado, merece ter certos defeitos relevados, até porque também teremos os nossos.
Enfim, este é um raciocínio que deixo assim, incompleto. É algo para continuar pensando, refletindo, e vendo se é algo que vale a pena sonhar e construir, ou se não passa de um arroubo romântico meu 🙂 A cada dia que passa, acredito mais e mais que vale a pena.
Um dia, daqui a MUITO tempo, quem sabe, eu volte aqui com alguma conclusão.
E quem sabe, com uma foto como a dos dois velhinhos, mais acima 😉
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A foto do meio, que ilustra e inspirou esse texto (cujas reflexões me são mais antigas) foi retirada desta página a página foi removida. Ela mostra uma sequência de fotos que um casal de idosos tirou em várias estações ao longo dos últimos anos. O fim é triste, mas é da vida. O importante é que a trajetória parece ter sido boa, e valido a pena.
Ari
19 de janeiro de 2014 as 0:20
Como já de costume, felizmente me deparei com este texto seu e achei muito interessante. O tema aborda as questões sobre a família tradicional, os conservadores, sobre indivíduos equilibrados, problemas emocionais acentuados, desentendimentos entre si, falta de sintonia, o problema de não se amarem verdadeiramente.
Aproveitando que você deixou no ar: “…algo para continuar pensando, refletindo, e vendo se é algo que vale a pena sonhar e construir…” e quando você fala:” Nessa sociedade louca e individualista demais, na qual temos a infelicidade de viver…”.
Eu não me contenho e preciso recomendar-te (caso não tenha visto) um dos melhores filmes que já vi nos últimos tempos. O filme de que estou falando é: “Na Natureza Selvagem” com roteiro e direção de Sean Penn, onde o personagem é um jovem recém formado revoltado com o mundo que o cerca, principalmente o que é representado por seus pais. Ele não quer fazer parte da sociedade de consumo, busca a essência da vida e a verdade das coisas tornando-se um viajante sonhador e naturalista.
Este filme possui um dos melhores conteúdos que o cinema já pode mostrar (pra mim,claro). Viver com liberdade, ser um aprendiz da vida, buscando amadurecimento com esforço, comprometimento e foco em seus sonhos e ideais. Ele percebeu que a sua vida não poderia ser boa amarrado na ideologia capitalista e com sua família cheia de hipocrisia em que cresceu. Pois mostra uma familia muito frágil moralmente. Cresceu vendo seus pais “se aguentando” só pra manter as aparências na sociedade. Acredito haver uma conexão grande em muitas das questões abordadas em seu texto com este filme.
Um Abraço!
Ronaud Pereira
19 de janeiro de 2014 as 11:44
Olá, Ari. Obrigado pela dica do filme, vou realmente procurá-lo.
Este foi um texto mais sobre dúvidas do que sobre respostas. É justamente sobre essa questão do “se aguentando” que venho comentar: Até que ponto uma situação pode ser suportada pelo bem da família construída, já que, conhecendo nossa natureza humana como conhecemos, sabemos que não encontraremos outro relacionamento perfeito.
Creio que há um ponto, quando a relação é destrutiva ou incompleta, que realmente não vale a pena “aguentar”. Mas talvez haja um ponto a partir do qual vale a pena continuar, já que uma situação perfeita em outro relacionamento será impossível, pois a perfeição não é deste mundo. E também, porque ficar “pulando de galho em galho” não me parece uma postura de gente resoluta. Acho que no fim é uma questão de quais valores usaremos para pautar nossas decisões: Aventura e paixão, que são valores mais juvenis, ou estabilidade e aconchego, que me soam valores mais adultos.
Enfim, continuemos refletindo 🙂
Ana Marcela
12 de agosto de 2014 as 9:18
Ari, bom dia! Assisti este filme e gostei muito…aquela sensação de liberdade, de não fazer parte de um sistema nocivo, de não dar satisfação a ninguém, enfim…mas tem algo que talvez vc não tenha prestado atenção. Ao final do filme ele diz a si mesmo: “A FELICIDADE SÓ VALE A PENA, QUANDO É COMPARTILHADA.” Neste aspecto minha reflexão vai além da fuga…sugiro que busquemos em meio ao caos do mundo em que vivemos, um ponto de equilíbrio, de alegria, de satisfação para lidarmos melhor com tudo. É neste mundo que vivemos, e portanto precisamos criar e recriar a vida a cada instante, a cada desafio. Gosto do texto de Ronaud porque é real, é um retrato do que temos disponível hoje, neste momento de vida que estamos na grande eternidade de nossa existência. Meu convite é que possamos refletir em como podemos tornar o mundo melhor e não fugirmos, porque fugir é uma ilusão.