Amor e Romance
A paixão inspira artistas e é a responsável pela maior parte da produção estética humana. E de modo geral, apesar dos sofrimentos inevitáveis, as pessoas vêem a paixão amorosa como um sentimento bom, como algo desejável e digno de ser vivenciado.
Concordo. Acho que o sujeito deve ter uma perspectiva muito baixa de si mesmo, ou inexistente, para viver uma vida desapaixonada do início ao fim. Se é que isso é possível.
Paixão vai e passa, é uma doença maravilhosa, uma tortura chinesa. Camila Morgado
Se paixão for doença eu quero ficar doente pro resto da minha vida. Adolescente iludido
🙂
Mas a paixão não é (necessariamente) amor. Não do jeito como costuma-se chamar de amor o que é, na verdade, uma paixão amorosa, ou amor romântico. Eu diria que o amor verdadeiro está mais para a leveza e para o prazer do que para a intensidade e a busca por segurança emocional que sentimos quando apaixonados. (A não ser que sua concepção de amor verdadeiro, porém intenso, seja mais realista e honesta, como esta).
A paixão é um estado pessoal e psicológico sob o qual nosso senso de valor e autoestima fica fundamentado sobre a preferência, exclusividade e as atenções de uma outra pessoa, quase sempre idealizada, isto é, outra pessoa que existe mais em nossa imaginação do que na realidade, com suas qualidades e defeitos. Porque a tendência é que essa pessoa esteja, no início do relacionamento, mais distante do que próxima.
Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem. Millôr Fernandes
No amor não existe nada senão um desejo frenético do que foge de nós. Michel de Montaigne
Sem contar a noção equivocada que todos fazemos do amor ideal, influenciados pela literatura, pelo cinema e pela televisão. Então lidamos mais com a imaginação que temos da pessoa amada, do que com a realidade dela em si. Nesta situação é claro que lembramos muito mais de suas qualidades do que de suas falhas.
A ausência diminui as pequenas paixões e aumenta as grandes, da mesma forma como o vento apaga as velas e atiça as fogueiras. François de La Rochefoucauld
Não é costume se amar o que se tem. Anatole France
Essas atenções nos fazem sentir reconhecidos, únicos e especiais, porque tendemos a nos apaixonar por quem está numa situação melhor do que a nossa, ou alguém que de alguma forma nos torna melhores. O ser por quem estamos apaixonados nos eleva e nos faz sentir importantes. A paixão eleva nosso status íntimo e social. Quem não gosta de um pouco de mimo, de ser paparicado e ter o ego afagado por quem se ama, da mesma forma como a criança adora e está sempre chamando para si as atenções dos pais?
O amor pode ser provocado apenas na base do medo de perder o amado. Stendhal
Os mais atraentes não são aqueles que nos permitem que os beijemos de imediato ou aqueles que nunca permitem que os beijemos, mas aqueles que sabem ministrar cuidadosamente diferentes doses de esperança e desespero. Alain de Botton
Num mundo onde a indiferença e o umbiguismo rolam soltos, encontrar alguém disposto a nos dar atenção e nos engrandecer com elogios e atenções torna-se uma situação almejada e cuidadosamente valorizada:
A razão pela qual os amantes nunca se cansam de estar juntos é que estão sempre falando de si mesmos. François de la Rochefoucauld
O amor é um desejo irresistível de ser irresistivelmente desejado. Robert Frost
Uma paixão correspondida é responsável pelos melhores momentos que podemos viver. E, é claro, pelos piores momentos caso ela não seja plenamente correspondida, ou demonstre estar sujeita a desaparecer.
Tanto é que “o ciúme é justamente aquela dor que sentimos quando percebemos que a pessoa amada pode ser feliz sem nós”, como nos explica Rubem Alves.
O ciúme é portanto uma negação da realidade, afinal, ninguém aqui é bobo, e todos sabemos que o mundo seguirá perfeitamente sem nós.
…a gente fica com essa sensação de que vai morrer de saudades, daí o tempo passa e a gente percebe que continua vivinha da silva. Ana Carolina Moreno, jornalista
Egoísmo
Este sentimento que nos faz sentir especiais e tão vivamente desejados, capaz de nos incitar a crer que transitaremos pela eternidade sentindo SEMPRE aquela intensa estima por aquele outro ser que nos promove tão salutar estima por nós mesmos é um sentimento vulnerável e a todo tempo sujeito as intempéries de nossa humanidade.
Me parece que tudo que envolve a paixão, isto é, o sentimento de apego, a obsessividade, a compulsão pelo ser amado, tem mais a ver com o nosso ego do que com o nosso coração.
O que para muitos é a porta para viver o céu na Terra, na verdade não passa na verdade de um sentimento absolutamente egoísta. O apaixonado ama o ser amado porque este de alguma forma beneficia aquele. Ao contrário do amor verdadeiro, maduro, que quer o bem do outro e por isso liberta, a paixão quer o bem pra si e por isso aprisiona. Ela quer garantir o pedestal eternamente.
As formas de expressão da paixão variam de possessividade, controle, vigilância e proibições ao outro por um lado, e indução ao outro para um apaixonamento profundo e devoto, para se ter aos pés, por outro lado.
O que é raro, é caro. De modo geral só se percebe a importância de um momento quando ele se torna lembrança. Valorizamos alguém especialmente quando somos rejeitados por esse alguém. Você pode se dar bem com 100 pessoas, mas caso se desentenda com UMA, é esta que dominará suas atenções até que vocês resolvam as pendengas, enquanto deixa as outras 99 injustamente de lado. Somos valorizados especialmente quando estamos distantes, ou quando rejeitamos, negando nossas atenções, cuidados e carinhos.
A paixão, talvez equivocadamente, é até classificada como um tipo de doença psicológica, semelhante à dependência química. Não acredito que seja tanto assim. Pois ao contrário da dependência química, cuja cura é complexa e exige o afastamento gradual da substância da qual se é dependente, a paixão por outro lado, encontra sua cura justamente através de um mergulho profundo na convivência diária com o ser objeto da paixão.
O amor romântico é regido pela impossibilidade; quanto mais difícil mais apaixonada a pessoa se sente. Regina Navarro
Era definitivamente assim que pensava o romancista francês Marcel Proust, citado por Alain de Botton em seu livro Como Proust pode mudar sua vida:
“O amor é uma doença incurável”
“No amor, existe um sofrimento permanente”
“Aqueles que amam e os que são felizes não são os mesmos”
Tamanho pessimismo chega a ser hilário.
Como lidar com a paixão
Amor romântico, paixão, sentimentalismo, idealismo, apego, enfim, são termos que me soam mais pejorativos do que apreciativos. A verdade me parece que no duelo entre razão e emoção, devemos ser capazes de ficar num meio termo. Porque do mesmo modo como uma vida centrada na razão fica uma vida insossa, uma vida centrada nas emoções pode fazer uma pessoa se ajoelhar sem forças mais de uma vez na vida. E esse não é exatamente o projeto de vida da maioria de nós.
O autor Eckhart Tolle sugere:
Se você continuar buscando um relacionamento como forma de salvação, vai se desiludir cada vez mais. Mas, se você aceitar que o relacionamento está aqui para tornar você consciente, em lugar de feliz, então o relacionamento vai lhe oferecer a salvação […]
A melhor forma de evitar frustrações e decepções é reduzir nossas expectativas. Sonhar é bom. Sonhar – e eventualmente viver – um relacionamento perfeito é algo divino. Mas é prudente manter os pés no chão. Me parece importante ao menos saber da existência desse lado sombrio do amor muito intenso. Aceitar a natureza imperfeita do outro, evitando se iludir a respeito de uma suposta perfeição, é o melhor caminho para evitar o sofrimento da desilusão amorosa. Melhor ainda é, como sugeriu Tolle, entender o relacionamento como uma abundante fonte de lições de crescimento pessoal; Entender que relacionamentos servem para nos fazer crescer como pessoas. Com um pouco de encanto, sim. Mas sem acreditar que qualquer felicidade será possível fora de nós.
Bianca
10 de maio de 2012 as 15:09
Muito interessante seu texto (o que nãoé novidade…rs).
Mas sabe…por que não unir amor e paixão? Talvez seja utopia essa relação, mas seria a ideal.
Bjs!
Ronaud
10 de maio de 2012 as 16:27
Sim, amor e paixão seriam o ideal. E até acredito que seja possível. Acredito haver um monte de pessoas apaixonadas por aí as quais têm uma noção melhorada da realidade talvez menos encantadora – porém não menos digna – que as espera quando o fogo da paixão se amornar.
Mas o ideal é apenas isso, um IDEALISMO, uma ideia bobinha e perfeitinha que mantemos na nossa cabeça louca a qual raramente encontra paralelo na REALIDADE. E é para a realidade, aquela que existe e com a qual lidamos, que chamo a atenção. Bjs
miss demoiselle
11 de maio de 2012 as 0:43
Meu nobre amigo,
Nunca vi alguém da minha esfera definir tão bem a paixão e interligá-la tão fortemente ao egoísmo. É tênue a linha que os divide.
Perfeita a sua descrição. Fez-me enxergar além do texto, também a realidade. Perfeito (além, claro, de ter citado os ilustres que disseram algumas frases sensacionais).
Não consigo nem comentar sobre o tema, apenas sobre o seu texto.
Um beijo,
da miss
Bianca Leilane
11 de maio de 2012 as 9:04
Bom…quem sabe então eu seja menos realista…rs…
Acredito sim na possibilidade (que não penso ser tão remota) de unir as duas coisas…
Enfim…rs
beijão!
Raphael Angello
09 de julho de 2014 as 0:29
Amigo gostei muito da forma em que relacionou as frases com seu pensar meus parabens