Há quem consiga viver bem, sozinho, porém me parecem minoria. De modo geral todos ansiamos por um par; por alguém que esteja sempre ao nosso lado dividindo a carga pesada e somando as alegrias do dia-a-dia.
Só que estar num relacionamento é um exercício constante de se levar o outro em conta, caso você seja minimamente educado e empático. Num relacionamento já não podemos decidir tudo sozinho, o que é especialmente ruim para os egoístas e aliviante para os indecisos.
Mas por mais flexível e desprendido que seja alguém, inevitavelmente os conflitos chegarão e nessas horas é vital saber conversar, saber negociar, saber resolver as situações conflitantes focando na solução amistosa, e não em estar certo. Até porque conviver com quem sempre quer estar certo é cansativo, e dispensável. Praticidade e objetividade na hora de resolver os conflitos, sim, são fundamentais.
Vejo muitas e muitas pessoas, conhecidas ou não, se desentendendo nessas horas, com seus parceiros por falta de diálogo. Por um bloqueio IMENSO e inexplicável que não lhes deixa pôr as cartas na mesa. O que será que está por trás de tanta dificuldade de comunicação entre o casal? Orgulho, medo de se sentir humilhado, medo de demonstrar fragilidades, dificuldade de expressão, comodismo? Sob certo aspecto, é até uma postura um tanto infantil, porque o que se pode ver por trás das aparências são crianças birrentas esperando que os outros ADIVINHEM o que estão pensando e querendo.
Estar numa relação é dividir-se. Querer os múltiplos de uma relação sem querer dividir-se é uma postura egoísta que resultará numa relação doente.
A autora Elizabeth Gilbert, em seu livro Comprometida, questiona muito o tanto que mulheres tiveram que renunciar, em toda a história, em favor dos outros. Até a bem pouco tempo atrás, ser mulher significava basicamente doar-se. Evidentemente, a história mostra que as mulheres sempre se doaram demais, o que nos faz comemorar que enfim ganharam opções de vida mais atraentes nos últimos anos.
Mas durante toda a leitura do livro citado percebe-se que a autora chegou num ponto em que pensa demais em si mesma, quase como uma vingança pelo tanto que as mulheres de sua ascendência familiar se doaram. O problema é que por mais que, agora não só as mulheres, mas a pessoa de forma geral tenha total escolha de viver só para si, tenderá a viver uma vida vazia, desprovida de significados, a não ser que seja uma pessoa hiper-criativa e talentosa como a Liz.
E é aí onde entra a questão da doação como um caminho que realmente preenche a vida. Embora antigamente as mulheres se viam forçadas a doarem-se, atualmente, inevitavelmente, sentirão essa necessidade. Essa necessidade de doação generosa de nosso tempo e atenção é tão forte em nós que, sendo um relacionamento uma forma autêntica de estar se doando ao outro, ansiamos por companhia dia e noite, e não descansamos até encontrá-la. A coisa é tão psicológica quanto sexual.
Dialogar é uma forma de se doar. Um relacionamento é um diálogo por excelência, não só verbal. É um diálogo vital. É troca autêntica e constante de tempo, atenção, toques, sensações, sentimentos e também pensamentos. E a parte do diálogo que se refere à doação de si mesmo diz respeito ao ato de OUVIR. É ouvindo o outro, dando espaço para ele se expor, que estaremos nos doando.
Vejo que a parte mais essencial de uma relação, ao meu ver, é a parte onde somos reconhecidos, onde nossa expressão é validada pela atenção do outro, e, portanto, valorizada. E somos reconhecidos essencialmente quando somos OUVIDOS. Nossas palavras são nossa alma soprada pelo ar, portanto, ouvir o outro sem julgamentos é a maior forma de reconhecê-lo e valorizá-lo.
Não falar de si próprio, mas de seu interlocutor é a essência da arte de agradar. Todos sabem disso, mas todos se esquecem – Jules Goncourt
De modo que é preciso saber se impor, sim, mas também é essencial abrir espaço e permitir que os outros se imponham também. Esse nível de compreensão suaviza o cotidiano. Esse tipo de entendimento nos alimenta a paciência. Se é tão ruim ficar sozinho, temos que pagar o preço pela parceria. E esse preço são as concessões que temos de fazer pela harmonia necessária para que o relacionamento siga sempre adiante, sempre frutífero, sempre acolhedor.
Tupinambá Pedro Amorim da Silva
02 de agosto de 2014 as 6:22
Excelente artigo.
Uma leitura que, por certo, levou-me a partilhar com os membros do meu grupo de casais. Obrigado