Talvez você já tenha se dado conta, talvez não, mas todos nós, brasileiros, e todo o ocidente, vivemos sob o sistema moral judaico-cristão. É um sistema no qual todos somos de alguma forma estimulados a viver como santos, o que torna tal moral impraticável pela maioria das pessoas, ao menos em sua plenitude. Então o esforço se concentra para se levar uma vida perfeitinha e pura… ao menos aos olhos dos outros 🙂
É mais fácil trabalhar a aparência do que a essência.
A moral cristã força o indivíduo a anular sua natureza, em especial nossa natureza sexual e também para a nossa natureza competitiva, inclinações perfeitamente naturais. O ego é um dos maiores mistérios da existência. Não fosse por esse mecanismo psíquico que nos confere IDENTIDADE e personalidade, isto é, separação em relação ao mundo, todos ainda nos comportaríamos como os animais que somos originalmente lutando pela sobrevivência. É o ego que nos permite dizer: “Eu sou EU, e você é você”. Simples, mas animais não percebem essa distinção. Ego e consciência me parecem profundamente relacionados. O ego de certa forma aplica um ponto de tensão no animal humano. Veio pra bagunçar o coreto de uma natureza animal harmoniosa.
O ego, até como o próprio diferencial que nos torna humanos e por vezes desumanos, foi e é capaz de construir coisas fantásticas. Em sua incansável fuga da morte, construiu essa sociedade fantástica na qual vivemos e onde encontramos conforto suficiente para vivermos uma vida agradável (muito mais do que numa caverna). Todo esse avanço tecnológico o qual alcançamos, deriva da busca do ego pela imortalidade, tanto do ponto de vista físico, como do ponto de vista psíquico. O ego não morre só com a morte do corpo mas também encontra a morte na desatenção alheia. O ego alcança sua plenitude ao ser paparicado e engrandecido pela atenção dos outros e sente a morte próxima com a desatenção, preterimento e a adoção de uma postura humilde.
As características do ego
- O ego prioriza a si mesmo e pode chegar a desconsiderar completamente a figura do outro.
- O ego prefere a indulgência, ao invés do sacrifício;
- O ego prioriza a existência real e material, ao invés de sonhos espiritualistas fantasiosos;
- O ego é realista e objetivo, e questiona a hipocrisia e o mundo das aparências;
- O ego direciona a bondade para quem a merece, ao invés de amor desperdiçado aos ingratos;
- O ego prefere vingar-se, ao invés de virar a outra face;
- O ego reconhece o homem como superior aos outros animais, inclusive no direito de subjugá-los e aniquilá-los;
- O ego busca a prática de todos os chamados “pecados”, desde que eles levem à gratificação física, mental ou emocional;
Veja também que “ego” é a raiz de várias palavrinhas pejorativas. Egoísmo, egocentrismo, egóico, egomania, enfim, nenhum termo com o qual alguém possa se sentir lisonjeado. O comportamento que o ego promove no animal humano é um comportamento que nunca se satisfaz com os resultados alcançados. O ego sempre quer mais. Gosta de aparecer, de se exibir e de prevalecer. Mesquinho, sempre quer tudo para si. Invejoso, gosta de se sentir melhor do que os outros. Pernicioso e inescrupuloso, para manter todas essas condições em busca de sua perpetuação, é extremamente controlador. E não se importa em destruir o próprio ambiente do qual faz parte, e tampouco destruir seus semelhantes em guerras e mais guerras. O ego tem forte característica predadora. No ímpeto voraz pela autopreservação, chega à autodestruição.
Nesse ponto o cristianismo surge como um contraponto aos exageros do ego, propondo alguma moderação – e se é bem sucedido ou não nessa tarefa, é outra história. Pois o cristianismo, em sua sede pelo reino dos céus num sentido totalmente inverso ao da natureza do ego, propõe um aniquilamento total deste. Veja por exemplo a vida monástica de um mosteiro, ou seja, das pessoas que dedicam-se integralmente a Deus. Para muitas vertentes religiosas, se aproximar de Deus significa não viver. É nítida a separação que cristãos costumam fazer entre as coisas do espírito, e as coisas do mundo. E assim a característica indestrutível do ego, por ser a própria natureza humana, tem sido a razão de ser das Igrejas desde sempre. Assim como vender comida sempre dará algum dinheiro enquanto houver gente no mundo, da mesma forma a igreja e quaisquer outras correntes espiritualistas sempre subsistirão com sua proposta de aniquilar o inaniquilável, que é a própria natureza humana.
Conceitualmente, a filosofia cristã com sua mensagem de humildade representa a morte em vida para o ego. Humildade e ego não podem coexistir. Aliás a igreja faz muito bem o trabalho de lembrar ao homem que, apesar de todas as suas ambições e conquistas, um dia, ainda assim, ele vai morrer. Porém para morrer bem, ou seja, ser salvo (não da morte, e sim de uma suposta e certeira condenação ao fogo eterno), precisamos ser bonzinhos em vida. Ser bonzinho significa não fazer o mal. Ou não fazer nada. Observe aí a passividade bovina sendo transmitida como um ideal de comportamento (O Senhor é meu Pastor, logo, somos um rebanho… de ovelhas).
E o que é o mal?
Praticamente tudo que o ser humano precisa fazer para viver, porque na busca pela sobrevivência, é natural que se priorize a si mesmo, Ou seja, o ser humano é a encarnação do mal. O diabo, na verdade, não é a representação de um ser maléfico, e sim, a personificação do egoísmo, isto é, da própria natureza humana mais baixa.
O que é o diabo senão a personificação do próprio ser humano em todo o seu potencial de insanidade, crueldade e perversão? Não há nada atribuído ao diabo que um ser humano já não tenha feito mais e melhor.
O caminho do meio
Podemos enxergar perfeitamente que viver de forma egoísta é um viver narcisista e vazio. E que viver monasticamente também nos é impraticável – a não ser para alguns raros indivíduos. É aqui que um conceito de lá do outro lado do mundo demonstra mais lucidamente qual caminho devemos seguir. O conceito é o Caminho do Meio budista. Nem um extremo, nem outro, e sim, o caminho do meio.
Allan Kardec também dizia que o que prejudica não é o uso, e sim o abuso. É no meio termo que encontraremos o equilíbrio. Espiritualistas dizem que a evolução é a grande missão de nossa vida. Sim, é! Mas tenho certeza que encontrar o próprio equilíbrio diante de cada situação, atenta e lucidamente, é grande parte dessa evolução.
Evidentemente eu generalizei bastante as coisas para me fazer entender, e evidentemente não quero converter ninguém ao budismo. Quero sim demonstrar a importância do meio termo em nossas decisões como um fator preponderante para o bem viver. E se com você tudo é 8 ou 80, como eu, entenderá bem a dificuldade de se adotar uma postura mais moderada nas coisas.
Se você se interessa pelo tema, vai gostar bastante do livro O Poder do Agora, de onde tirei muito dessa visão.
Danielli
03 de maio de 2011 as 14:31
Vc é fantástico escrevendo ! Realmente nos facilita a muitos a claridade de idéias …
Danielli
03 de maio de 2011 as 14:34
aissss eu…..
…no bom português quero dizer clareza 😉
ronaud
06 de maio de 2011 as 23:19
Muitíssimo obrigado!!! Um elogio desse vale para o ano inteiro 😉 Um forte abraço!
suzi sarggin
17 de maio de 2016 as 9:18
A tempos já tive a noção que o ego esta tbm entre os sete pecados capitais (orgulho e vaidade), por que foi dentro da igreja que vi como o ser humano é pego por ele e não nota. Ate onde seria para ser humilde o ego faz com que a pessoa esteja pecando, não sei se estarei sendo clara no que tento passar, mas vi pessoas achando que estavam tendo qualidades divinas ao “encher o peito” e falar: “Ja li a biblia três veses inteira”, ou nos grupos de oração ser o primeiro a achar tal texto, ou nas celebrações sempre estar a frente para cantar, vi que o ego faziam com que dezenas delas vivessem em competição, quem louvava mais, ou era mais rapido ao abrir a biblia e achar textos, jejuar, fazer doações etc, então me afastei pois vi tbm que não estava preparada para aquilo, precisava de algo e encontrava outro, queria me sentir purificada, em paz e me sentia mais pecadora, por que estava ali para abrir minha alma e acabava pecando ao notar (julgar) o que ocorria…