Amor Incondicional – Crônica
Noite de sábado, sem dinheiro, em casa, escritório, trabalhando na companhia do único copo baixo de cristal que habita a casa além das quatro taças abandonadas na cozinha, porque desistiu do vinho quando descobriu que o conhaque resume melhor as coisas. The Neighbourhood se alternava no Youtube intercalado com anúncios da Empíricus e do Érico Rocha.
Escreve o primeiro parágrafo de uma crônica onde resume em poucas palavras tempo, condição, lugar e vibe do momento, e se pergunta quantos capítulos Stendhal levaria para dizer o mesmo.
Machado de Assis usaria o termo “espírito” em vez de “vibe”, embora sua preocupação em 1890 fosse bem outra.
A tela abre o Facebook, e na timeline uma sequência de assuntos que o interessavam. Arquitetura antiga, a beleza sobre-humana de mulheres eslavas, Mr. Bolso-President-Super-Star-Tropical, e no meio disso tudo, a postagem de uma igreja, que por questões sub-conscientes, de raízes, e de desespero mesmo, passou a seguir.
Nela constava:
“Domingo é o dia do Senhor. É dia de celebrarmos e dedicarmos tempo Àquele que nos criou e nos amou incondicionalmente…”
…e a postagem seguia convidando para o culto do próximo Dia do Senhor.
Quando seus olhos passaram pelas palavras “…nos amou incondicionalmente” passou num ínfimo de tempo em sua tela mental todas as tragédias humanas de que se soube e pelas quais se condoeu, um semblante de deboche se formou no rosto, os olhos rebateram na frase, desviaram para o conhaque ao lado, e caíram em espiral num poço sem fundo de reflexão, de desacordo, de contra-argumentos instantâneos.
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