É assustador a quantia de pessoas que não entendem o fenômeno da inflação.

E, para além de assustador, é vergonhoso o número de “investidores” que se orgulham de ganhar em torno de 1% ao mês (a.m.) e nem sonham que somente em 2021 a inflação foi em torno de 0,83% a.m. Ou seja, arredondando e simplificando o raciocínio, não “ganharam” 1% ao mês, e sim, 0,2% a.m.

Eu sei, é complexo.

Mas você não pode colocar UM CENTAVO em qualquer investimento sem antes entender o que é inflação, e levá-la em conta em seus cálculos.

Para entender a Inflação

É complexo, mas não é tão difícil. Vamos a um exemplo hipotético:

Vamos supor que você tinha 1000 reais em Janeiro de 2021 (Jan/21) e que você deixou esse dinheiro o ano inteiro guardado em casa. E que naquele mês, Jan/21, a pizza estava 50 reais.

Isso significa que em Jan/21 você tinha o poder de compra de 20 pizzas (1000/50=20).

Durante 2021, tivemos uma inflação de 10,06%. Isso significa que em Janeiro de 2022, você ainda tinha “1000 reais” guardadinhos aí na sua casa, mas devido a esta inflação, em Jan/22 você não compra mais 20 pizzas, e sim, 18 pizzas.

Devido aos 10,06% de inflação, aqueles 1000 reais ficaram, em Jan/22 com o poder de compra de 899,40 reais.

O motivo pelo qual as pessoas têm tanta dificuldade de entender o que é a inflação e como ela devora o próprio patrimônio silenciosamente, é que depois de 12 meses, os 1000 reais não se transformam visualmente em 899,40. Eles continuam ali guardados, exatamente 1000 reais, e a impressão que se tem é que eles continuam com o mesmo poder de compra.

Mas não! Na verdade, o que aconteceu foi que ao longo do ano de 2021, a pizza passou gradualmente a 55 reais, o que é um aumento pequeno, mas que, proporcionalmente, reduziu o poder de compra dos 1000 reais como se fossem 899,40.

Se a inflação fosse um fenômeno numericamente visual, o cenário seria que em Jan/22, a pizza ainda estaria a 50 reais, mas seus 1000 reais teriam se transformado em 899,40, o que o deixaria assustado e desesperado: “Ué, cadê os 100 reais que estão faltando?”

A inflação devorou, amigo(a).

Isto é um exemplo sobre 1000 reais e uma pizza. Agora projete todo o seu patrimônio e seu poder de compra, em relação a tudo que você consome.

A ilusão dos Investimentos – Poupança, Renda Fixa, Fundos Imobiliários

Os fundos imobiliários (FIIs) estão na moda. Muita gente se orgulha de estar com uma “renda” mensal obtida com os rendimentos do dinheiro aplicado nestes fundos.

É uma ilusão, e o mesmo raciocínio se aplica à renda fixa, e a poupança.

A média de rendimento de um FII gira em torno de 0,7% a.m.

Isso significa que se você pegasse aqueles 1000 reais, e em vez de deixar guardado em casa, comprasse em FIIs, você passaria, teoricamente, a receber 0,7% a.m. de rendimento. Mais ou menos 7 reais ao mês.

Ao final de um ano, terá ganho cerca de 84 reais (12 meses, vezes 7). E encerrará o ano com 1084 reais.

Lembra da inflação de 2021 de 10,06%? Pois bem, com esse rendimento, você consegue comprar 19,70 pizzas.

Percebe que mesmo com este investimento médio, você ainda não consegue comprar as 20 pizzas originais?

É melhor do que deixar guardado em casa, mas ainda há perdas. Porque a inflação no Brasil de tempos em tempos dá este susto. A média anual de inflação no Brasil nos últimos 20 anos gira em torno de 6% a.a. Às vezes é menos, mas eventualmente, passa de 10%, o que é muito. Uma verdadeira dilapidação patrimonial.

Perceba que se você aplicar seu 1000 reais em FII, consegue manter mais ou menos seu patrimônio. Contanto que não gaste a “renda” – os 7 reais mensais – e os reaplique ao capital. E é aqui que muita gente se engana. Eles acham que os rendimentos mensais dos FIIs são uma “renda” e que podem gastar a vontade.

O que as pessoas não conseguem perceber, é que ao fim de 12 meses, com 1084 reais, ela não está “mais rica” com 84 reais a mais. Elas apenas estão mantendo o patrimônio, isto é, o poder de compra, para poder continuar comprando 20 pizzas. Em termos de poder de compra, estes 1084 reais são a mesmíssima coisa que os 1000 reais de 12 meses atrás.

Há uma ilusão quanto aos números nominais, depois de 30 anos de inflação do Plano Real. Hoje 100 reais vale muito pouco, o equivalente a 10 reais em 1995. As pessoas veem uma casa valendo Um Milhão de reais e se assustam: “Ah, nunca que ela vale isso tudo”. Na verdade vale, porque Um Milhão hoje 2022 nada mais é do que 100 Mil Reais em 1995. Tá bom uma casa por 100 mil reais? Tá né? Pois em termos de poder de compra, é exatamente isso que ela vale hoje, porém com a numeração do preço inflacionada.

Veja bem

Eu sei que este exemplo acima é simplório. Na realidade muitos fatores podem influenciar o andamento das coisas: Você pode encontrar FIIs que rendem mais do que a inflação anual (e este é o seu trabalho); O valor das cotas do FII pode aumentar, ou ambos, valor da cota E rendimento podem se ajustar gradualmente, superando a inflação no médio prazo; O patrimônio imobiliário físico do fundo pode aumentar, ou valorizar; Ou o Brasil pode vir a viver muitos anos com inflação baixa; Ou, por outro lado, pode ser ainda pior, porque o preço das cotas do FII escolhido pode cair, e você pode terminar o ano com um capital ainda menor, porque FII é um investimento de risco. Investir em produtos financeiros exige grande capacidade lógica e analítica e um bom conhecimento em macroeconomia, dentro do qual um dos principais assuntos é justamente a inflação.

Não sou contra FIIs, sou contra o sujeito “investir” e sequer entender o fenômeno da inflação. É obrigatório, veja bem, OBRIGATÓRIO, por uma questão de lucidez, você subtrair a inflação mensal, de seus rendimentos mensais (ou utilizar o período anual para fazer suas contas), para ter certeza exatamente do que está ganhando, ou até mesmo, se está perdendo.

Lembra do exemplo que eu dei lá em cima? A pessoa se orgulhando de “ganhar” 1% ao mês com FIIs. Não, ela não ganha 1%. Se a inflação mensal em 2021 foi de ~0,8%, então ela “ganha” somente 0,2% a.m. Os 0,8% apenas fazem com que ela continue podendo comprar o mesmo número de pizzas. Menos mal que não está perdendo. Mas também não está ficando tão rica quanto acredita.

O raciocínio do parágrafo anterior só vale para 2021, que foi um ano atípico de inflação. Tenha sempre em mente que a média anual de inflação no Brasil é de 6% a.a., ou 0,5% a.m. e que qualquer investimento que você fizer deve render no mínimo 0,5% a.m. meramente para manter seu poder de compra, e que você só pode entender como aumento de capital, ou renda para viver, o que exceder esse 0,5% a.m. É OBRIGATÓRIO você entender que essa parte de 0,5% subtraída de seus rendimentos mensais está apenas compensando/ajustando seu patrimônio/poder de compra. A economia funciona em ciclos, e eventualmente, na sua jornada como investidor no longo prazo, amargará anos com inflação alta, como em 2021, mas em outros períodos ganhará sobre inflação de 4% a.a. ou 0,33% a.m.

Sob este ponto de vista, você vai entender a mentira que é dizerem que poupança é investimento.

JAMAIS!

Sua aplicação só é “investimento” se o rendimento supera a inflação.

Poupança é apenas correção da inflação. 

Se você entender e memorizar a frase anterior pelo resto da vida, já me dou por satisfeito.

***

Veja também –> Comprar Imóvel Físico ou Fundos Imobiliários?

A principal causa da inflação

Inflação dos anos 1980

Inflação dos anos 1980

O fenômeno da inflação dos preços possui basicamente duas causas.

A primeira é quando o produto escasseia no mercado, seja por problemas na produção, ou por aumento súbito da demanda. Quanto mais raro, mais caro. É normal, é das regras econômicas mais básicas.

Se ocorre uma seca e neste ano são produzidos menos tomates do que ano passado, o preço do tomate vai subir até o ponto em que as pessoas parem de comprar tomate. Ou pode ocorrer de por exemplo passar no Globo Repórter que comer tomate evita o Câncer; imediatamente as pessoas vão comprar mais tomate e o preço dele pode subir.

Ocorre um ajuste espontâneo entre oferta e demanda. Diminuir oferta ou aumentar demanda acabam escasseando o produto, e este tende a subir.

A segunda causa é mais difícil de compreender, e igualmente difícil de explicar, apesar de ter relação direta com a regra básica de oferta x demanda citada acima. Diz respeito ao aumento da base monetária, vulgarmente conhecido como “impressão de dinheiro”.

E se você tivesse uma impressora que imprime dinheiro para você pagar suas contas?

Pois bem, o Estado tem essa impressora. E imprime muito dinheiro.

Vou tentar explicar

Imagine um país fictício onde existissem apenas 100 notas de Um Real, e apenas Uma caixinha de leite. Neste país fictício, esta caixinha de leite custa Um Real.

Ok.

Vamos imaginar, que o governo deste paisínho gastou mais do que arrecadou, e pra pagar essas contas, mandou a casa da moeda imprimir mais 100 notas de Um Real. O governo foi lá, pagou as contas, e agora este dinheiro está circulando na mão das pessoas.

Neste novo cenário, nosso país fictício tem agora 200 notas de Um Real, e apenas Uma caixinha de leite. Com mais dinheiro na mão das pessoas, mais pessoas vão querer comprar aquela caixinha de leite, então é das regras básicas da economia que o preço dessa caixinha se ajuste espontaneamente em torno de 2 reais.

E aqui está o pulo do gato pra entender a situação: Não há NENHUMA DIFERENÇA entre o cenário de 100 notas de Um Real com um Leite a Um Real, e o cenário com 200 notas de Um Real e um Leite custando Dois Reais.

Nenhuma. Apenas a numeração. O valor do leite é o mesmíssimo.

Será que você entendeu?

Há uma proporcionalidade entre o dinheiro circulante e os produtos disponíveis. O valor de Um Real da caixinha de leite era um ajuste de valor espontâneo deste produto de acordo com o dinheiro disponível. Uma vez que a disponibilidade deste dinheiro aumenta, ele, o dinheiro, perde valor, porque “tem demais” enquanto a caixinha de leite ganha valor, porque continua sendo Uma única caixinha de leite. Lembrando que é mais fácil pra uma casa da moeda produzir papel impresso do que para a vaca produzir mais leite.

E em sendo assim, ocorre novo ajuste espontâneo, o que antes era 100 para 1, agora fica 200 para 2, e tudo continua a “mesma coisa”, exceto a noção de que tudo encareceu, e que os salários demoram bastante para acompanhar a inflação, pois enquanto os produtos aumentam mês a mês, os salários reajustam de ano em ano.

Como se vê, esta segunda causa, sempre recorrente, tem origem direta no Governo e seu modo de lidar com a economia, sendo também a causa pela qual a inflação é um fenômeno constante – maior ou menor, todo ano há inflação. Quanto mais o governo gasta, especialmente sob o mote de “fazer girar a economia” também chamado “capitalismo de Estado”, mais acabará imprimindo dinheiro, e mais inflação teremos.

A inflação no Plano Real

Para fins de conhecimento, segue tabela com a inflação ano a ano do Real. O ano de 1995 deve ser desconsiderado porque foi o primeiro ano inteiro do plano, com o país ainda se despedindo de um histórico de inflação desenfreada.

2021 10,06
2020 4,52
2019 2,49
2018 3,75
2017 2,95
2016 6,29
2015 10,67
2014 6,41
2013 5,91
2012 5,84
2011 6,50
2010 5,91
2009 4,31
2008 5,90
2007 4,46
2006 3,14
2005 5,69
2004 7,60
2003 9,30
2002 12,53
2001 7,67
2000 5,97
1999 8,94
1998 1,65
1997 5,22
1996 9,56
1995 22,41

Educação Financeira

Tudo isso que escrevi acima, são lições de educação financeira. Algo que as crianças deveriam aprender durante o primário escolar e que infelizmente não aprendem. Nossa pífia educação é a causa da nossa tragédia como nação.

Estou fazendo aqui a minha parte. Se você entendeu o assunto acima, converse sobre ele com todas as pessoas que puder. Explique, ilustre.

Não haverá salvação pessoal em vida, nem salvação para este país, fora do conhecimento.