O texto abaixo foi comentado neste texto de Aderbal Machado: Afrontas ao urbanismo e ao meio-ambiente (o link original foi removido). Aqui ele foi expandido:
Urbanidade, sim
Sou super a favor do progresso, afinal quem não gosta de andar por uma rua asfaltada, e quem não gosta de morar sob um teto confortável? Quem não gosta de caminhar em uma praia/espaço urbanizado e organizado? Sim, progresso e desenvolvimento, renda e riqueza, como itens que promovem a qualidade de vida de uma população são valores muito desejados e plenamente dignos de se almejar.
A arquitetura e o urbanismo sempre esteviveram atrelados ao progresso e à construção da qualidade de vida para os homens, desde que egípcios, gregos, e depois romanos, iniciaram o desenvolvimento urbano de suas regiões através do manejo das pedras para a construção de seus prédios públicos, ruas e aquedutos.
Era uma vez, a identidade cultural
O que acontecia de uns 40 anos para trás até o início das civilizações, era que toda região se desenvolvia arquitetonicamente, e esse desenvolvimento, através de suas obras, contribuía para a criação de uma identidade cultural. Todas aquelas formas, técnicas e materiais constituiam juntos a identidade material de um povo. Assim foi até mais ou menos a década de 60/70.
Trazendo essa discussão para Santa Catarina, não é difícil encontrar fortes traços da identidade açoriana pelas cidades do litoral. Na rua Blumenau de Itajaí, por exemplo, com suas casinhas antigas da ainda recente década de 70, já mal cuidadas, condenadas a desaparecerem, existe toda uma riqueza magnífica. Se o poder público se interessasse e promovesse o restauro de todas aquelas casinhas simples mas tão repletas de detalhes típicos, a rua bem poderia se chamar algo como Alamêda Açoriana. Se tornaria um ponto de passeio turístico. Ali está todo um modo de vida de um povo que ajudou a construir o local onde vivemos hoje. Mas isso é só um devaneio. Aquilo tudo, creio eu, está condenado e deverá ser incorporado pelo porto nos próximos anos.
Balneário Camboriú, como outro exemplo aqui próximo, está se tornando uma cidade esquisita. Faz tempo que a cidade perdeu seu gostoso clima praiano para uma arquitetura típica peculiar constituída por um mar de prédios padronizados, muito altos, tão próximos entre si. Isso quando seus arquitetos não decidem implementar na fachada itens e formas totalmente desprovidas de identidade, ou minimamente de um sentido, enfim, fachadas de um péssimo (ou inexistente) gosto. Na questão urbana, há ruas que mal “veem” a luz do sol, apertadas, claustrofóbicas. Onde está aquele tranquilo vilarejo praiano, os pescadores com sua rotina atemporal, as casas de veraneio?
Agora, está tudo igual
O que observamos atualmente, é que todo o Estado, porque não, o país, está padronizando suas construções. Está tudo muito padronizado, hermético, pasteurizado, e … (coloque nos pontinhos o adjetivo de sua preferência para algo sem graça). Os ricos de hoje constroem casas americanizadas. Nós, os brasileiros, por mais que neguemos, não perdemos nossa alma de colonizados. Antes importávamos o estilo de nossas metrópoles européias, como Portugal, Itália ou Alemanha. Mas tudo bem, já que nossos antepassados vieram de lá mesmo. Agora só mudamos de metrópole. Na ânsia pelo status, desprovidos de qualquer conhecimento cultural, assimilamos o que estiver disponível. O importante é parecer bem. Maldito status!
Um exemplo positivo, neste sentido, é o empreendimento da Embraed, o Centro Empresarial Embraed, no centro de Itajaí. Com uma linha arquitetônica de muito bom gosto em um estilo neo-clássico, se não me engano, enriqueceu deveras o centro da cidade. Esta mesma empresa tem alguns prédios mais recentes em Balneário Camboriú também muito bem pensados, do ponto de vista do estilo arquitetônico. Os arquitetos da empresa estão de parabéns. E a propósito, não tenho nenhum vínculo com a empresa e nem recebi nada por essa citação. É que penso que o que é bom gosto deve ser elogiado.
Pelo nosso bem, ou pelos nossos bens?
Os empreendedores, principalmente construtores, tão capazes de construir, e o poder público municipal, tão ávidos pelo progresso, são tão incapazes de enxergar um pouquinho além e ver que nem tudo é ferro, concreto e dinheiro. Há uma coletividade que demanda tudo isso. Há um ambiente em volta, o qual influencia diretamente na qualidade de algo que diz respeito a todos, que é a nossa vida, a vida da coletividade. Em pleno século XXI, em que tantos estudos apontam os melhores caminhos e as melhores práticas, ainda seguem tocando obras como se estivessem nos anos 80. Não perceberam que o mundo mudou, que se achar dono do mundo está completamente démodé. A empresa que merece ser verdadeiramente reconhecida é aquela que age pela comunidade, e não aquela que age só pelos seus clientes. Eu sei, eu sei, mais um devaneio, mas não sou só eu, há um comercial na TV pregando NÃO o melhor negócio do mundo, mas o melhor negócio PRO mundo e meu lado idealista gostou da idéia. Da mesma forma, o governo que quiser ser lembrado e reconhecido, é aquele que ache pelo bem comum, e não pelos seus próprios bens.
Meio ambiente
Empreendedores de várias cidades catarinenses ficaram (e estão ficando) todos muito ricos, com dinheiro caindo dos bolsos. Ótimo, resultado certamente de muito trabalho e muita luta. Mas encheram os bolsos de dinheiro, e esquecem de encher a mente com um pensamento contemporâneo. Meu pessimismo não deixa convencer-me que a maioria dos construtores daqui da região seja capaz de pegar um livro dos melhores pensadores contemporâneos para situarem suas realizações no século 21, e não na década de 80/90, quando começaram a construir suas riquezas (e eu torço MESMO para estar errado nesse julgamento, no entanto, com o que se vê, com obras atropelando as leis, o bom senso, etc,…).
Dois ótimos livros como sugestão, a quem interessar possa: Capital Espiritual (não é livro esotérico) e A Arquitetura da Felicidade
Os tempos são outros, as idéias evoluíram, as prioridades sociais se modificaram, e dentre elas, a idéia de que não basta combater a fome no mundo. Essa idéia evoluiu. Hoje qualquer cidadão comum entende que precisamos é aprender, finalmente, depois de 5 milênios de civilização, a andarmos lado a lado com a natureza, e não mais subjugá-la, como viemos fazendo até então. Os estudiosos entendem que o melhor meio de combater a fome é integrar o ser humano à natureza, e preservá-la, e tirar dela o sustento, e não tirá-la da superfície do planeta.
Confesso que não creio muito nessa história de aquecimento global antropogênico. A natureza tem ciclos próprios que trancendem a nossa ainda recente civilização, se a situarmos numa escala de tempo planetária. Mas nem que o mundo estivesse se congelando, ao invés de esquentando, seria motivo para ignorarmos a verdadeira responsabilidade que temos com aquele que é a base de nossa existência, a natureza e nosso meio ambiente.
Resumindo, o que os dois livros citados acima defendem é a tese de se FAZER A COISA CERTA e não fazer a coisa certa pelos nossos bolsos. Eu sei, eu sei, mais um devaneio.
Quem sabe seja assim mesmo
Pois é, quem sabe seja assim mesmo que as coisas caminham. Quando se construiu as primeiras casas, ninguém pensava em identidade cultural, ou em preservação ambiental. O que queriam era escapar da chuva. Por outro lado podemos questionar: Será que precisa ser daquele jeito, ainda hoje, em pleno 2010?
É difícil saber qual é o caminho correto. Se o da eficiência máxima à custa de valores humanos? Se o da priorização dos valores humanos às custas de menos progresso? Talvez um meio termo?
Fica registrada a minha opinião. Continuo achando que nem tudo são concreto, ferro e dinheiro. Dinheiro não compra vida. Vida se desenvolve com valores humanos. E valores aqui são planejamento, espaço, bom senso, empatia, razoabilidade, natureza, arte, cultura…
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