Quem?
Aqui jaz uma dama de extrema beleza,
Era suave nos passos e no coração
Acho que era a mais bela dama
Que já houve em todo o Oeste.
Sua beleza desaparece; a beleza é passageira;
Por mais rara, por mais rara que seja;
E quando eu desaparecer, quem se lembrará desta dama do Oeste?
Walter de la Mare
Talvez um dos aspectos mais cruéis e atormentadores da vida seja o seu fim, mesmo apesar de todo o sofrimento que podemos experimentar enquanto vivos. O fim! Deveríamos ser capazes de observá-lo encontrando nele a mesma beleza que encontramos no começo da vida, e também no seu auge, e por que não, em seu amadurecimento. Mas não conseguimos, ou poucos conseguem enfrentar com naturalidade seu próprio fim. A maioria de nós prefere simplesmente ignorá-lo pragmaticamente.
Poucos tampouco conseguem aceitar com naturalidade o fim do que nos é caro. Da saúde, da alegria, da felicidade, do amor, e eu diria principalmente, da beleza, como o poeta acima. Sinto uma plena identificação com o sentimento de desamparo que o moveu. Hoje ao menos temos a fotografia que permite registrar – não imortalizar – a rara beleza de alguns poucos que pisaram neste mundo. Fico sensibilizado ao observar fotos antigas que mostram meus parentes ainda jovens. Mais sensibilizado ainda fico, eu diria chocado, ao ver a decadência dos nossos velhos artistas. Só eles sabem a dor que sentem ao perceber que seus auges ficaram para trás dando lugar à ingrata decrepitude. E espero ainda que, dada a característica democrática da velhice, sintam-se esses artistas GRATOS pela vida, por permitir a eles a expressão de um potencial até um auge que a pouquíssimos é permitido.
O passado é um poço de existências, sentimentos e lembranças coletivas cujo fundo vai se distanciando aos poucos, mantendo-se sempre inalcançável. Vivemos como se tudo o que existe e foi criado, o fosse especialmente para nós. Nos sentimos equivocadamente especiais. Não! Somos apenas elos de uma corrente que ruma intransigente em direção ao futuro. Mal sabemos detalhes de nossos avós, e menos ainda conseguimos imaginar que nossos ancestrais de 100 ou 200 anos atrás viveram as mesmas ânsias, emoções, sentimentos, alegrias e dúvidas que nós, agora mesmo vivenciamos, como únicos e exclusivos portadores de tais condições. Não! A condição humana e seus dramas são eternos. Daqui a 200 anos os habitantes deste planeta olharão para os céus com os mesmíssimos questionamentos.
Será que algum deles questionou-se como Walter de la Mare? “Quem se lembrará de tudo de belo que vi, quando eu desaparecer”? Quantas histórias lindas o sol já testemunhou! Ninguém lembra. Aquelas lembranças jazem no poço do esquecimento, ao qual todos estamos fadados. Para não sucumbir ao desconsolo dessa consciência, prefiro crer que, quem sabe em algum momento, todos nos reencontraremos no fim deste poço do esquecimento, e lá possamos vislumbrar aliviados, tal qual uma Alice que descobre o país das Maravilhas após longa e nebulosa queda, que tudo isso aqui não passou de uma aula, trancados entre os limites do tempo, assim como nossos alunos se trancam entre os limites de quatro paredes para assimilarem algumas lições. Para depois saírem alegres da escola, de braços abertos para uma vida real, mais vívida, mais livre, radiantes com a certeza inconsciente de que o fim não existe.
Gerson Sabbá
09 de março de 2011 as 5:21
Eu tenho esse tipo de pensamento continuamente. Como se houvesse um tipo de perda, uma especie de nostaugia de algo que não se consegue definir.
Penso em habilidades cheias de segredos e macetes que hoje simplismente já não existem pois se perderam no tempo, artistas extremamente famosos e glorificados em um periodo de tempo que hoje não passam de um paragrafo em algum livro empoerado e por ai vai. Será que tudo é em vão? Sumiremos como poeira ao vento ?